sexta-feira, 9 de agosto de 2019

56- CORRIGINDO UMA CENA DO FILME “SIMONAL”, COM A VERDADE HISTÓRICA.

Boite Blow Up, rua Augusta, São Paulo, Julho de 1969.
A boite era famosa, no baixo da rua Augusta, pelos shows que apresentava com grandes nomes da música brasileira. Fim do show de Jorge Ben.
Camarim, eu, repórter do Jornal da Tarde, entrevistava Jorge. Outras pessoas assistiam, apertados naquele camarim pequeno.
Abre a porta e Wilson Simonal mostra a cara e cumprimenta.
–(Simonal) Grande Jorge.
Se abraçam, Simonal brinca com Jorge e depois começa a falar sério.
-(Simonal) Seguinte: estou gravando um disco e preciso de uma música nova sua. Uma das boas.
-(Jorge) Tenho uma que é a sua cara, só que já prometi para outra pessoa.
-(Simonal) Mostra mesmo assim.
Jorge pega o violão e começa aquela sua batida típica: tung jaca tung jaca tung jaca tung jaca tung jaca tung.....
-(Jorge cantando) Moro / num país tropical / abençoado por Deus / e bonito por natureza / mas que beleza.... 
Canta a música umas duas vezes, Simonal maravilhado, eu em suspense observando a cena histórica. Outras pessoas em silêncio.
-(Jorge) Agora canta você (e continua no violão).
-(Simonal cantando) Mó / num pá tropi / abençoá por Dê / e boní por naturê / mas que belê...
Foi assim, de primeira. Simonal ouviu a música umas duas vezes e já saiu cantando do jeito que virou uma interpretação única de País Tropical, grande sucesso dele. Instintivamente, na mesma hora, ele já criou este jeito de cortar o fim das palavras, e os dois ficaram brincando felizes com isso. E ficaram cantando a música várias vezes, com a sacada de Simonal.
(Jorge e Simonal cantando juntos) - Mó / num pá tropi / abençoá por Dê / e boní por naturê / mas que belê...
(Simonal)- Essa música agora é minha. Resolve lá com quem você prometeu.
É claro que, 50 anos depois, não me lembro das palavras exatas que cada um falou. Mas o conteúdo é esse, a sacada do Simonal foi espontânea, rápida, nada racional como aparece na cena do filme. Uma grande música que fez sucesso cantada pelo Jorge, pelo Simonal, com seu jeito único, e muitos outros intérpretes.
Me desculpem o diretor, o roteirista e produtores do filme, mas quando vi a cena, precisamente esta cena, online, não me contive de fazer essa correção. A coisa aconteceu de uma forma muito mais forte e emocionante –um se assustando com a beleza da música do outro e o outro com a sacada rápida do intérprete em cima da sua música. Ali ficou claro, sem ninguém falar nada, que  a música era do Simona. 
Podia ser a grande cena do filme, que não assisti. Com alguém fazendo um Jorge Ben mais à altura, tocando a música com toda a força que ela tem, com Simonal entrando em cima e criando sua interpretação na hora, bate pronto. Mas já foi. O filme está aí, espero que seja bom.


Para quem não sabia, comecei minha carreira no jornalismo, junto com a Veja. Saí da faculdade direto para um grupo de 500 universitários selecionados pela Editora Abril em todo o país. Depois de um treinamento rápido (tinham que lançar a revista em alguns meses) nos botaram para trabalhar e aí selecionaram, na prática, os 200 que viraram a base da redação da primeira revista semanal do Brasil, dirigida pelo Mino Carta. 
De lá fui para o Jornal da Tarde, do Estadão, que era o melhor jornal da época, dirigido pelo Murilo Felisberto, onde fiz a matéria com Jorge Ben. Depois mudei para propaganda, onde trabalhei ativamente até o fim do século, 2001. Depois virei Consultor, fazendo Branding, Planejamento Estratégico, um especialista nos intangíveis das empresas. Mas ainda sou registrado no Ministério do Trabalho como jornalista (naquela época tinha que registrar).
Desta época ficou o aprendizado e também a emoção de ter vivido cenas como essa. Com um Jorge Ben, que para mim é um dos grandes compositores e cantores de nossa música. Que criou, quebrou barreiras e influenciou a música brasileira dali pra frente -com seu ritmo que ele definia como “batida de escola de samba cansada, depois do desfile”. Que já era uma evolução da batida do seu primeiro disco, Samba Esquema Novo, onde cantava Mas Que Nada no que chamava de “mistura de samba com maracatu”.
Um tempo depois, cobri o Festival da Canção, no Rio, e entrevistei a estrela internacional do evento, Jimmy Webb –compositor e cantor de coisas como MacArthur Park, Up Up And Away e Get To Phoenix. Acabou a entrevista e ele me convidou para jantar num lugar que tivesse show de um grande músico brasileiro. Levei ele na Lagoa, para ver o show de Jorge Ben e Trio Mocotó. Ele ficou maravilhado com o swing do Jorge. Apresentei os dois.
O Wilson Simonal só vi esta noite, acho que foi um grande cantor, também criador de um estilo próprio. Depois espalharam que ele era colaborador do regime e queimaram o filme dele. Mais tarde parece que provaram que não era nada disso. Quer saber mais vai ver o filme, mesmo com essa história contada de forma diferente.