quarta-feira, 18 de setembro de 2019

57- A Marca Brasil fora de foco.

Quando a gente começa a trabalhar ou repensar a imagem de marca de uma empresa, a primeira coisa que a gente procura é identificar o diferencial que ela tem, diante dos concorrentes. Porque é esse diferencial que pode fazer dela uma empresa única, com personalidade própria e imagem forte.

Se ela não tem nada diferente, vai ser apenas mais uma no mercado. Aí a gente tem que trabalhar para criar esse diferencial, que às vezes é muito difícil de conseguir. Então, sorte da empresa que já nasce diferenciada.

Além disso, precisamos entender o consumidor -que está ficando cada vez mais exigente. Ele também espera das empresas um comportamento ético responsável, politicamente correto.
Prefere empresas mais transparentes, que tratam bem seus funcionários, e que deem um retorno, além de um bom produto, para as sociedades onde vivem e ganham dinheiro. Daí as empresas acrescentarem à sua marca ações sociais, pelo meio ambiente, educação, cultura.
As boas empresas têm que entender essa expectativa, se quiserem continuar a ser importantes no mercado.

Com os países funciona do mesmo jeito. Cada um deles tem uma imagem, como acontece com as marcas das empresas. Que pode ser mais fraca ou mais forte, dependendo da habilidade do país de lidar com ela. Então, sorte do país que já começa com um grande e bom diferencial. Como o Brasil. Que tem a maior floresta tropical do mundo, o famoso pulmão do planeta. Se esse diferencial for bem trabalhado, o país terá uma imagem muito forte para se vender para o mundo, sem ter que fazer muito esforço. 

E quem ganha com isso? Todos os brasileiros. Nossa agroindústria moderna e consciente, que tornou o país um dos maiores produtores de alimentos do mundo. A indústria do turismo, que tem muito potencial para crescer. A nossa infraestrutura precária, que precisa de novos investimentos urgente. E por aí vai. 

Imagem é tudo. Com uma bela marca bem construída, em sintonia com nossos clientes, o país leva junto todos os produtos que temos para vender.



Não parece ser o que está acontecendo. Não estamos cuidando bem de nosso patrimônio especial, nem entendendo a responsabilidade que vem junto com este grande diferencial. O que poderia ser a grande força da nossa imagem, pode virar nossa grande inimiga. De cuidadores da maior floresta tropical, importante para todos, podemos virar os maiores desmatadores do mundo. Com um preço muito alto para pagar.

Os outros países fazem compras pelo mundo da mesma forma que os consumidores individuais, afinal as decisões são tomadas por pessoas que têm esses mesmos valores. Querem o melhor produto pelo melhor preço, fornecido por empresas responsáveis. E quando falamos de commodities então, o emocional agregado ao produto passa a desempenhar um papel importante. Se não compro mais soja desse país poluidor, posso comprar ali daquele outro. É assim que funciona. E as pressões contra nosso mau comportamento vão sempre existir. São os consumidores dizendo que esperam que o Brasil seja um produtor responsável.

Isso não é política, são as regras do mercado. O bom político entende as regras do jogo e transforma em ações políticas. Uma floresta amazônica de pé e bem cuidada, vale mais para o Brasil do que qualquer outra opção. E vai valer mais ainda no futuro, num mundo em que se valoriza cada vez mais o meio ambiente.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

56- CORRIGINDO UMA CENA DO FILME “SIMONAL”, COM A VERDADE HISTÓRICA.

Boite Blow Up, rua Augusta, São Paulo, Julho de 1969.
A boite era famosa, no baixo da rua Augusta, pelos shows que apresentava com grandes nomes da música brasileira. Fim do show de Jorge Ben.
Camarim, eu, repórter do Jornal da Tarde, entrevistava Jorge. Outras pessoas assistiam, apertados naquele camarim pequeno.
Abre a porta e Wilson Simonal mostra a cara e cumprimenta.
–(Simonal) Grande Jorge.
Se abraçam, Simonal brinca com Jorge e depois começa a falar sério.
-(Simonal) Seguinte: estou gravando um disco e preciso de uma música nova sua. Uma das boas.
-(Jorge) Tenho uma que é a sua cara, só que já prometi para outra pessoa.
-(Simonal) Mostra mesmo assim.
Jorge pega o violão e começa aquela sua batida típica: tung jaca tung jaca tung jaca tung jaca tung jaca tung.....
-(Jorge cantando) Moro / num país tropical / abençoado por Deus / e bonito por natureza / mas que beleza.... 
Canta a música umas duas vezes, Simonal maravilhado, eu em suspense observando a cena histórica. Outras pessoas em silêncio.
-(Jorge) Agora canta você (e continua no violão).
-(Simonal cantando) Mó / num pá tropi / abençoá por Dê / e boní por naturê / mas que belê...
Foi assim, de primeira. Simonal ouviu a música umas duas vezes e já saiu cantando do jeito que virou uma interpretação única de País Tropical, grande sucesso dele. Instintivamente, na mesma hora, ele já criou este jeito de cortar o fim das palavras, e os dois ficaram brincando felizes com isso. E ficaram cantando a música várias vezes, com a sacada de Simonal.
(Jorge e Simonal cantando juntos) - Mó / num pá tropi / abençoá por Dê / e boní por naturê / mas que belê...
(Simonal)- Essa música agora é minha. Resolve lá com quem você prometeu.
É claro que, 50 anos depois, não me lembro das palavras exatas que cada um falou. Mas o conteúdo é esse, a sacada do Simonal foi espontânea, rápida, nada racional como aparece na cena do filme. Uma grande música que fez sucesso cantada pelo Jorge, pelo Simonal, com seu jeito único, e muitos outros intérpretes.
Me desculpem o diretor, o roteirista e produtores do filme, mas quando vi a cena, precisamente esta cena, online, não me contive de fazer essa correção. A coisa aconteceu de uma forma muito mais forte e emocionante –um se assustando com a beleza da música do outro e o outro com a sacada rápida do intérprete em cima da sua música. Ali ficou claro, sem ninguém falar nada, que  a música era do Simona. 
Podia ser a grande cena do filme, que não assisti. Com alguém fazendo um Jorge Ben mais à altura, tocando a música com toda a força que ela tem, com Simonal entrando em cima e criando sua interpretação na hora, bate pronto. Mas já foi. O filme está aí, espero que seja bom.


Para quem não sabia, comecei minha carreira no jornalismo, junto com a Veja. Saí da faculdade direto para um grupo de 500 universitários selecionados pela Editora Abril em todo o país. Depois de um treinamento rápido (tinham que lançar a revista em alguns meses) nos botaram para trabalhar e aí selecionaram, na prática, os 200 que viraram a base da redação da primeira revista semanal do Brasil, dirigida pelo Mino Carta. 
De lá fui para o Jornal da Tarde, do Estadão, que era o melhor jornal da época, dirigido pelo Murilo Felisberto, onde fiz a matéria com Jorge Ben. Depois mudei para propaganda, onde trabalhei ativamente até o fim do século, 2001. Depois virei Consultor, fazendo Branding, Planejamento Estratégico, um especialista nos intangíveis das empresas. Mas ainda sou registrado no Ministério do Trabalho como jornalista (naquela época tinha que registrar).
Desta época ficou o aprendizado e também a emoção de ter vivido cenas como essa. Com um Jorge Ben, que para mim é um dos grandes compositores e cantores de nossa música. Que criou, quebrou barreiras e influenciou a música brasileira dali pra frente -com seu ritmo que ele definia como “batida de escola de samba cansada, depois do desfile”. Que já era uma evolução da batida do seu primeiro disco, Samba Esquema Novo, onde cantava Mas Que Nada no que chamava de “mistura de samba com maracatu”.
Um tempo depois, cobri o Festival da Canção, no Rio, e entrevistei a estrela internacional do evento, Jimmy Webb –compositor e cantor de coisas como MacArthur Park, Up Up And Away e Get To Phoenix. Acabou a entrevista e ele me convidou para jantar num lugar que tivesse show de um grande músico brasileiro. Levei ele na Lagoa, para ver o show de Jorge Ben e Trio Mocotó. Ele ficou maravilhado com o swing do Jorge. Apresentei os dois.
O Wilson Simonal só vi esta noite, acho que foi um grande cantor, também criador de um estilo próprio. Depois espalharam que ele era colaborador do regime e queimaram o filme dele. Mais tarde parece que provaram que não era nada disso. Quer saber mais vai ver o filme, mesmo com essa história contada de forma diferente.




quarta-feira, 5 de abril de 2017

55- GOVERNANDO PELAS REDES SOCIAIS.

Olha aí o Doria surfando nas redes. Fazendo o que todo político devia aprender a fazer: usando a comunicação o tempo todo, mesmo depois de eleito. Mais ainda depois de eleito. Mas usando comunicação da forma correta.

Os eleitores cansaram. Na época das eleições os políticos aparecem, vêm para a rua, estão nas redes sociais, nos programas eleitorais. Simpáticos, abraçando e beijando todo mundo. Depois que conseguem os votos, somem. Ficam fechados em seus gabinetes, ninguém mais consegue falar com eles.

Essa é a velha forma de fazer política, que a maioria de nossos políticos arrogantes continua usando. E é por isso que as pessoas vão para a rua gritar: vocês não nos representam. Representam apenas seus próprios interesses, como a Lava Jato está provando.

Façamos justiça, esse não é apenas um fenômeno brasileiro. A separação entre a classe política e o povo que devia representar é um fenômeno mundial. A democracia, da forma que praticamos hoje, está em crise. Manifestações, em quase todos os países, estão levando essa mensagem para todo mundo ouvir.

E isso acontece numa época em que nunca foi tão fácil se comunicar, ficar perto das pessoas. Com as novas tecnologias, qualquer um pode conversar com quem quiser, com o país inteiro -sem precisar de muito dinheiro. Basta querer. Basta ter vontade de aprender. Basta ter humildade para também saber ouvir os outros.


 As novas tecnologias já mudaram a forma como consumimos música, como lemos revistas, jornais e livros, como nos relacionamos com nossos amigos, como trabalhamos com nossos bancos, como fazemos compras, etc. Porque também não iam mudar a forma como fazemos política?

É nas redes sociais que agora a política acontece. É onde as pessoas se encontram diariamente, discutem, trocam opiniões, defendem suas ideias, formam grupos, marcam manifestações. E, infelizmente, onde vivem brigando com quem tem ideias diferentes.
Todo bom profissional de comunicação sabe que tudo é comunicação. A forma como um político se comporta, se veste, fala com as pessoas, quem são seus amigos, as obras que ele faz e como faz, os secretários que escolhe, tudo passa uma mensagem. Quem não tem consciência disso está, todo dia, passando mensagens que não gostaria ou não deveria. Se está governando, está comunicando alguma coisa. Mesmo que fique calado.

Todo bom profissional também sabe que a coisa mais importante que a comunicação pode fazer pelo seu cliente é construir uma imagem forte e diferenciada. Como está fazendo o Doria. Na eleição, além de ser uma cara nova, apostou na imagem de Gestor e não político. Trabalhador. Inovador. Anti-PT. Veja o resultado: um quase desconhecido da grande população foi eleito no primeiro turno, na maior cidade do país.

No dia em que tomou posse, reiniciou esse trabalho imediatamente.  E foi mais fundo. Transformou seu governo num verdadeiro reality show. É o governo Doria, ao vivo, para todo mundo acompanhar. Todo dia você vê onde ele está, o que está fazendo e depois ele ainda
aparece prestando contas. E as pessoas participam, batendo palmas,
elogiando, criticando. Tudo isso repercutindo nas rádios, TVs e nos jornais, onde o Doria virou pauta diária.

E lá vai ele reafirmando e comprovando os valores que prometeu na campanha. Trabalhador -está nas ruas e na internet das cinco horas da manhã até tarde da noite. Inovador -a ideia de comprar tempo ocioso das máquinas de exames de grandes hospitais, por preço SUS, por exemplo, é muito boa, não é? Anti-PT -ataca o Lula sempre que pode. Gestor -chama atenção para isso todas as vezes que fala: não é milagre não, gente, é boa Gestão.

Ainda trabalha junto outros valores que as redes sociais adoram: Transparência, Participação, Proximidade das pessoas. Resultado? Em alguns meses saiu do quase anonimato para ser visto como futuro candidato a Presidente da República. Agora está incomodando os políticos tradicionais.

Tá todo mundo de olho no case Doria. Até quando vai dar certo? A realidade de uma cidade que tem muitos gastos e pouca verba para realizar ainda vai encontrar com ele ali na esquina. Mas parece que Doria e sua equipe (que cria junto todas essas coisas para ele) estão se mostrando inteligentes o suficiente para arrumar uma forma de contornar as dificuldades.

O importante é que ele acredita no bom uso da comunicação, coisa que a maioria dos políticos nem consegue entender. Sabe o que é construir uma imagem. É bom de palco para passar as suas mensagens. Hoje tem a aprovação de 70% dos paulistanos. E de muito mais gente por todo o Brasil.

Mas daí a virar candidato a presidente é outra estória, não depende só dele, mas de muitas outras coisas. E se ele chegar lá, vai ter que acrescentar outros valores ao seu discurso. Não basta ser bom gestor para governar o Brasil.

Política sempre foi comunicação. Desde a época dos grandes comícios, dos 3 ou 4 partidos e dos grandes oradores. Levavam vantagem os políticos que tinham carisma, sabiam comunicar melhor suas ideias, que juntavam o povo na praça e conseguiam inflamar as pessoas. Um grande discurso ficava sendo lembrado e repetido por muito tempo.

Hoje vivemos o timing da internet. Um novo discurso, rápido, objetivo, todo dia. Repercussão imediata, tanto na rede como nas rádios, TVs e jornais do dia seguinte. Política, mais do que nunca, é comunicação. Como dizia o velho Chacrinha, quem não se comunica se trumbica.


quarta-feira, 22 de março de 2017

54- CARNE FRACA: NO FIM, IMAGEM É TUDO.

Se o Brasil é o maior exportador de carne do mundo, devia ter o melhor controle de qualidade do mundo, nas empresas, e o melhor controle de inspeção do mundo, nos governos federais, estaduais, municipais. Porque imagem é tudo. E 20 anos construindo uma imagem podem despencar por causa de uma burrada, como está acontecendo. Adeus confiança, adeus mercados.

São as grandes empresas da área quem, em primeiro lugar, deviam cuidar da moralidade da classe. Defender sistemas de controle internos fortes, como regra para todo o negócio. Elas são as maiores interessadas na boa imagem da carne do Brasil. Lucram com isso, vivem disso.

Elas têm que ter consciência de que, no fundo, não vendem carne. Vendem confiança. E que apenas um frigorífico não agindo segundo as regras da boa higiene pode derrubar a confiança em todo o negócio. Como está acontecendo.

E o governo também devia colaborar, já que o setor representa parcela grande do PIB, empregos, impostos, etc. Fazendo um inspeção técnica e séria.

Simples assim. Mas parece que ninguém fez a lição de casa.



Veja o caso das empreiteiras. A Odebrecht era considerada uma empresa com governança moderna, modelo para todas as outras. Quem lia os valores, que a Odebrecht estampava como cartão de visitas da empresa, ficava maravilhado. Mas parece que as pessoas que tocaram a Odebrecht não deram importância para aquelas palavras bonitas que alguém escreveu. A Odebrecht, sendo a maior, ditou as regras do mercado. E deu no que deu.

Dois anos atrás fiz o curso de formação de conselheiros do IBGC –Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Vamos aprender alguma coisa nova, eu que não me dou bem com os números e com a burocracia administrativa. Era um curso sério, aprendi muita coisa.

Para todos entenderem, toda grande empresa com ações na bolsa precisa ter um Conselho, formado por gente de fora, que é quem realmente comanda a empresa, representando os acionistas. Escolhe a diretoria, aprova o plano estratégico, aprova os balanços, e por aí vai. Também têm responsabilidade sobre tudo o que acontece na empresa. Podem até pegar cadeia.

A única coisa que estranhei no curso é que os Conselhos sempre são formados por gente que entende de finanças, entende de leis, entende de administração. Em todos que pesquisei, não tem gente que entende de comunicação.

Então questionei: já que no fim das contas, o que vale mais em uma empresa são os chamados ativos intangíveis (como o valor da marca, o prestígio no mercado, etc), porque os Conselhos não têm um especialista nesta área? Vocês não acham importante comunicação participar do pensamento, do planejamento estratégico das empresas? Não ouvi nenhuma resposta satisfatória dos especialistas do curso.

E olha que o IBGC é uma entidade séria, que tem como objetivo estimular a governança moderna, ética e transparente por todo o Brasil. Fazem um bom trabalho, gente de todos os estados frequentam os cursos deles.

Moral da história: já que a carne é fraca, infelizmente parece que a cultura da corrupção está espalhada por várias categorias de negócios. A simbiose entre governo e empresas privadas é muito maior do que a gente imaginava.

E segundo, parece que nossa cultura corporativa não leva tão a sério a importância da construção de marca, de prestígio das empresas. Que, se bem trabalhados, podem virar os maiores valores de uma empresa. Tanto que especialistas da área não estão presentes nas áreas de decisão verdadeiras. Ficam lá embaixo, na Diretoria executiva, aprovando as campanhas de comunicação do dia a dia.

Ninguém, então, tem consciência e autoridade para perguntar: não é melhor perder 500 Kg de carne vencida do que colocar em risco todo o nosso negócio?


quinta-feira, 9 de julho de 2015

53- UMA LIÇÃO DA HISTÓRIA QUE TODO POLÍTICO DEVIA APRENDER.

Estamos no começo dos anos 80, no século passado. Primeira eleição para governador no Brasil, no fim da ditadura. Jorge Cunha Lima era o responsável pela comunicação da campanha de Franco Montoro, do MDB, e me chamou para ajudar.

Já tinha várias agências de propaganda importantes e voluntárias, fazendo a parte gráfica. Me pediu para trabalhar na campanha eletrônica, junto com Paulo de Tarso Santos (a primeira vez que eu e o Paulinho trabalhamos juntos) e Jorge Bouquet, profissional de cinema. Jorge Cunha Lima pediu pra gente criar alguma coisa forte, diferente.

Tinha uma lei que limitava bastante a propaganda política na época, chamada Lei Falcão. Por ela, só éramos autorizados, na TV, a exibir a foto 3X4 dos candidatos e falar o currículo. Ficamos lendo e relendo a lei e achamos aí uma brecha: a lei falava do currículo, mas não dizia claramente que devia ser o currículo do candidato.

Então criamos uma peça que era assim: exibia uma foto 3X4 atrás da outra, com a cara de todos os candidatos do partido e ao fundo, com a voz emocionada do Montoro, contávamos o currículo do partido –sua luta contra a ditadura.



Explicamos para o Montoro que aquela peça era muito forte e que devia ir ao ar apenas uma vez –os outros partidos políticos iam reclamar e ela ia ser tirada do ar pela Justiça Eleitoral.

Para nossa surpresa ninguém reclamou. A ousadia saiu na capa de todos os jornais do Brasil. E, ao contrário, todos os outros partidos fizeram a mesma coisa, enquanto a Justiça Eleitoral ficou quieta. E assim, de uma hora para outra, caiu a famigerada Lei Falcão.

Daí para a frente a comunicação eleitoral no Brasil só evoluiu, com liberdade, até chegarmos ao formato dos dias de hoje: programa eleitoral e comerciais veiculados no meio da programação normal da emissora. A gente passou a usar os formatos e as técnicas mais modernas. Procurando dar mais dinâmica e ritmo, tentando tornar a comunicação política cada vez mais agradável para os eleitores/telespectadores.

Parece que pouca gente sabe ou não se lembra dessa estória que acabou fazendo história. Principalmente os políticos que estão hoje querendo, por lei, colocar de novo limitações na nossa propaganda política.

Ele usam dois argumentos. O primeiro é que a comunicação que se faz agora torna as campanhas muito caras. O site www.marqueteiros.com.br já mostrou que os gastos totais de comunicação, criação e produção, não chegam a 20% dos custos totais de uma campanha política. O grande gasto de uma campanha são as alianças políticas, que levam o candidato principal a bancar os gastos de seus aliados.

O segundo argumento é que com esse formato as campanhas enganam o eleitor, mentindo e mostrando uma imagem do político que não é verdadeira. Como se o formato fosse responsável pelo conteúdo. Bote um político de cara limpa diante das câmeras, sem nenhuma cena externa, e ele vai acabar dizendo a mesma coisa que diria numa campanha livre como hoje. Só que ficaria muito mais chato. E a audiência dos programas eleitorais, que já não é tão grande, cairia mais ainda.

Prefiro acreditar na liberdade e na inteligências dos brasileiros. A gente já aprendeu, na iniciativa privada, que quando uma empresa mente sobre seu produto, pode até vender no começo. A pessoa pode comprar uma vez, mas depois nunca mais compra este produto. É o que também deve acontecer na política.

Achei importante lembrar essa estória, nesse exato momento onde nossos políticos tão democráticos estão discutindo que tipo de censura (qualquer limitação é censura) vão colocar na comunicação política no Brasil. Em vez de deixar nossa democracia evoluir, aprender livremente a fazer campanha política e a votar.

Acredito na liberdade, como valor básico. Qualquer coisa contra ela não é democrático. Acredito também que os brasileiros estão aprendendo, eleição a eleição, a votar –e votar melhor. Mais ainda, a se manifestar e lutar por novos canais de participação. Democracia é um aprendizado constante. Vamos construir a nossa com liberdade.

Vamos, senhores políticos?


quinta-feira, 2 de abril de 2015

52- NÃO EXISTE DEMOCRACIA DE VERDADE SEM COMUNICAÇÃO.

Na pré-história da democracia, se praticava a democracia direta: o povo se reunia numa praça e todos participavam diretamente das decisões. Depois as cidades e os países cresceram e surgiu a figura do político, que representava as pessoas nas decisões.

Nosso político da pré-história devia se reunir com seus eleitores numa praça e dizer a que veio. E este primeiro comício da história durou bastante tempo, como forma de comunicação de políticos com a sociedade. Me lembro, ainda, dos grande comícios que aconteceram no Brasil. Estudante, fui até São Bernardo ouvir um tal de Lula falar. Fui ao Comício das Diretas Já, no Anhangabaú.

Aí veio o rádio, a TV, a internet. E o evento político foi se transformando, cada vez  mais, num evento de comunicação. Gente falando a distância, usando a tecnologia da época. Num país com mais de 200 milhões de habitantes, com cidades com mais de 1 milhão, ninguém consegue mais falar direto com as pessoas. Então, dá-lhe comunicação.

A política foi aprendendo as regras das tecnologias que assumiu: nada mais daqueles discursos empolados com palavras difíceis, que impressionavam as pessoas nos comícios ao vivo. O negócio agora é falar simples, direto, conversar com as pessoas. As técnicas dos comerciais de propaganda pegaram, procurando impactar as pessoas. As campanhas políticas, com seus horários gratuitos de TV, viraram eventos nacionais de comunicação.

Nada contra. É assim mesmo que as coisas evoluem. A linguagem, os efeitos, o timing da TV, da propaganda, do cinema, as pesquisas de opinião, são as ferramentas de hoje das campanhas eleitorais, da comunicação política. E essas técnicas ainda vão evoluir bastante, por causa das novas tecnologias.

Mas o nosso político lá da pré-história da democracia também encontrava seus eleitores toda hora, numa cidade pequena. Devia se reunir com eles para prestar contas, dizer o que estava fazendo em nome deles, discutir com eles que posição tomaria em assuntos mais complicados. O nosso político de hoje não faz mais isso. Só usa a comunicação para falar e ser ouvido pelos eleitores. Para ganhar a eleição.

Nossos políticos continuam na era da comunicação de mão única, como nossa velha TV aberta e nossos jornais de papel. Eles falam e a gente ouve. Que negócio é esse de ouvir as pessoas? Continuam fazendo comunicação pela metade, praticando democracia pela metade. Daí a quantidade de gente nas ruas, dizendo que essas pessoas não me representam, esses partidos não me representam. Ninguém ouve mais ninguém.



O que os políticos precisam aprender é que democracia é diálogo, interação, participação. Por isso comunicação é o combustível da democracia. Deve acontecer o tempo todo, e não só naqueles poucos meses da campanha eleitoral. E deve ter duas mãos – falar e ouvir bastante seus eleitores.

Mais ainda, devem aprender que tudo é comunicação: a forma como eles governam, os projetos que eles executam, etc., etc. Tudo passa uma mensagem, queiramos ou não. Quando não temos consciência disso, lá está aquele político prometendo uma coisa e agindo de forma diferente. Passando uma imagem cada vez mais confusa para seus eleitores.

O verdadeiro papel da comunicação é dar coerência a tudo isso. Fazer com que tudo tenha o mesmo foco, caminhe na mesma direção. Criar uma estratégia de longo prazo para trabalhar a imagem de um político, do mesmo jeito que se trabalha a imagem de uma empresa ou um produto. É assim que funciona. Não adianta chamar um marqueteiro a poucos meses da eleição para consertar uma imagem que já foi comprometida. Comunicação não faz milagres.

O  pior que pode acontecer é as pessoas se desencantarem de vez com os políticos que não me representam e pedirem a volta para a democracia direta: não tem mais políticos intermediários, o governo fala direto com as pessoas via internet, nossa grande praça de hoje, que decidem, elas mesmas, o que se deve ou não deve fazer.


(Publicado também em www.marqueteiros.com.br)