quinta-feira, 9 de julho de 2015

53- UMA LIÇÃO DA HISTÓRIA QUE TODO POLÍTICO DEVIA APRENDER.

Estamos no começo dos anos 80, no século passado. Primeira eleição para governador no Brasil, no fim da ditadura. Jorge Cunha Lima era o responsável pela comunicação da campanha de Franco Montoro, do MDB, e me chamou para ajudar.

Já tinha várias agências de propaganda importantes e voluntárias, fazendo a parte gráfica. Me pediu para trabalhar na campanha eletrônica, junto com Paulo de Tarso Santos (a primeira vez que eu e o Paulinho trabalhamos juntos) e Jorge Bouquet, profissional de cinema. Jorge Cunha Lima pediu pra gente criar alguma coisa forte, diferente.

Tinha uma lei que limitava bastante a propaganda política na época, chamada Lei Falcão. Por ela, só éramos autorizados, na TV, a exibir a foto 3X4 dos candidatos e falar o currículo. Ficamos lendo e relendo a lei e achamos aí uma brecha: a lei falava do currículo, mas não dizia claramente que devia ser o currículo do candidato.

Então criamos uma peça que era assim: exibia uma foto 3X4 atrás da outra, com a cara de todos os candidatos do partido e ao fundo, com a voz emocionada do Montoro, contávamos o currículo do partido –sua luta contra a ditadura.



Explicamos para o Montoro que aquela peça era muito forte e que devia ir ao ar apenas uma vez –os outros partidos políticos iam reclamar e ela ia ser tirada do ar pela Justiça Eleitoral.

Para nossa surpresa ninguém reclamou. A ousadia saiu na capa de todos os jornais do Brasil. E, ao contrário, todos os outros partidos fizeram a mesma coisa, enquanto a Justiça Eleitoral ficou quieta. E assim, de uma hora para outra, caiu a famigerada Lei Falcão.

Daí para a frente a comunicação eleitoral no Brasil só evoluiu, com liberdade, até chegarmos ao formato dos dias de hoje: programa eleitoral e comerciais veiculados no meio da programação normal da emissora. A gente passou a usar os formatos e as técnicas mais modernas. Procurando dar mais dinâmica e ritmo, tentando tornar a comunicação política cada vez mais agradável para os eleitores/telespectadores.

Parece que pouca gente sabe ou não se lembra dessa estória que acabou fazendo história. Principalmente os políticos que estão hoje querendo, por lei, colocar de novo limitações na nossa propaganda política.

Ele usam dois argumentos. O primeiro é que a comunicação que se faz agora torna as campanhas muito caras. O site www.marqueteiros.com.br já mostrou que os gastos totais de comunicação, criação e produção, não chegam a 20% dos custos totais de uma campanha política. O grande gasto de uma campanha são as alianças políticas, que levam o candidato principal a bancar os gastos de seus aliados.

O segundo argumento é que com esse formato as campanhas enganam o eleitor, mentindo e mostrando uma imagem do político que não é verdadeira. Como se o formato fosse responsável pelo conteúdo. Bote um político de cara limpa diante das câmeras, sem nenhuma cena externa, e ele vai acabar dizendo a mesma coisa que diria numa campanha livre como hoje. Só que ficaria muito mais chato. E a audiência dos programas eleitorais, que já não é tão grande, cairia mais ainda.

Prefiro acreditar na liberdade e na inteligências dos brasileiros. A gente já aprendeu, na iniciativa privada, que quando uma empresa mente sobre seu produto, pode até vender no começo. A pessoa pode comprar uma vez, mas depois nunca mais compra este produto. É o que também deve acontecer na política.

Achei importante lembrar essa estória, nesse exato momento onde nossos políticos tão democráticos estão discutindo que tipo de censura (qualquer limitação é censura) vão colocar na comunicação política no Brasil. Em vez de deixar nossa democracia evoluir, aprender livremente a fazer campanha política e a votar.

Acredito na liberdade, como valor básico. Qualquer coisa contra ela não é democrático. Acredito também que os brasileiros estão aprendendo, eleição a eleição, a votar –e votar melhor. Mais ainda, a se manifestar e lutar por novos canais de participação. Democracia é um aprendizado constante. Vamos construir a nossa com liberdade.

Vamos, senhores políticos?


quinta-feira, 2 de abril de 2015

52- NÃO EXISTE DEMOCRACIA DE VERDADE SEM COMUNICAÇÃO.

Na pré-história da democracia, se praticava a democracia direta: o povo se reunia numa praça e todos participavam diretamente das decisões. Depois as cidades e os países cresceram e surgiu a figura do político, que representava as pessoas nas decisões.

Nosso político da pré-história devia se reunir com seus eleitores numa praça e dizer a que veio. E este primeiro comício da história durou bastante tempo, como forma de comunicação de políticos com a sociedade. Me lembro, ainda, dos grande comícios que aconteceram no Brasil. Estudante, fui até São Bernardo ouvir um tal de Lula falar. Fui ao Comício das Diretas Já, no Anhangabaú.

Aí veio o rádio, a TV, a internet. E o evento político foi se transformando, cada vez  mais, num evento de comunicação. Gente falando a distância, usando a tecnologia da época. Num país com mais de 200 milhões de habitantes, com cidades com mais de 1 milhão, ninguém consegue mais falar direto com as pessoas. Então, dá-lhe comunicação.

A política foi aprendendo as regras das tecnologias que assumiu: nada mais daqueles discursos empolados com palavras difíceis, que impressionavam as pessoas nos comícios ao vivo. O negócio agora é falar simples, direto, conversar com as pessoas. As técnicas dos comerciais de propaganda pegaram, procurando impactar as pessoas. As campanhas políticas, com seus horários gratuitos de TV, viraram eventos nacionais de comunicação.

Nada contra. É assim mesmo que as coisas evoluem. A linguagem, os efeitos, o timing da TV, da propaganda, do cinema, as pesquisas de opinião, são as ferramentas de hoje das campanhas eleitorais, da comunicação política. E essas técnicas ainda vão evoluir bastante, por causa das novas tecnologias.

Mas o nosso político lá da pré-história da democracia também encontrava seus eleitores toda hora, numa cidade pequena. Devia se reunir com eles para prestar contas, dizer o que estava fazendo em nome deles, discutir com eles que posição tomaria em assuntos mais complicados. O nosso político de hoje não faz mais isso. Só usa a comunicação para falar e ser ouvido pelos eleitores. Para ganhar a eleição.

Nossos políticos continuam na era da comunicação de mão única, como nossa velha TV aberta e nossos jornais de papel. Eles falam e a gente ouve. Que negócio é esse de ouvir as pessoas? Continuam fazendo comunicação pela metade, praticando democracia pela metade. Daí a quantidade de gente nas ruas, dizendo que essas pessoas não me representam, esses partidos não me representam. Ninguém ouve mais ninguém.



O que os políticos precisam aprender é que democracia é diálogo, interação, participação. Por isso comunicação é o combustível da democracia. Deve acontecer o tempo todo, e não só naqueles poucos meses da campanha eleitoral. E deve ter duas mãos – falar e ouvir bastante seus eleitores.

Mais ainda, devem aprender que tudo é comunicação: a forma como eles governam, os projetos que eles executam, etc., etc. Tudo passa uma mensagem, queiramos ou não. Quando não temos consciência disso, lá está aquele político prometendo uma coisa e agindo de forma diferente. Passando uma imagem cada vez mais confusa para seus eleitores.

O verdadeiro papel da comunicação é dar coerência a tudo isso. Fazer com que tudo tenha o mesmo foco, caminhe na mesma direção. Criar uma estratégia de longo prazo para trabalhar a imagem de um político, do mesmo jeito que se trabalha a imagem de uma empresa ou um produto. É assim que funciona. Não adianta chamar um marqueteiro a poucos meses da eleição para consertar uma imagem que já foi comprometida. Comunicação não faz milagres.

O  pior que pode acontecer é as pessoas se desencantarem de vez com os políticos que não me representam e pedirem a volta para a democracia direta: não tem mais políticos intermediários, o governo fala direto com as pessoas via internet, nossa grande praça de hoje, que decidem, elas mesmas, o que se deve ou não deve fazer.


(Publicado também em www.marqueteiros.com.br)