Quando eu
trabalhava como redator, as agências de propaganda eram grandes e
departamentalisadas. O pessoal de atendimento ia ao cliente (só ele, era o dono do
cliente), depois passava suas necessidades para o pessoal de planejamento, que
preparava um belo briefing para a criação. E nós dependíamos da qualidade deste
dois caras aí para ter um bom pedido de trabalho, com informações de qualidade
que ajudassem a criar belas campanhas.
Tinha caras muito
bons de atendimento e de planejamento, mas eram poucos. E todos os criadores
queriam trabalhar com eles. Uma boa peça de planejamento já vinha com ideias
prontas (que nós reconhecíamos como ideias, eles não) e até com os títulos do
anúncios, prontinhos para serem copidescados. Eles só não faziam o trabalho
todo sozinhos porque não tinham sido treinados para criar, ou não gostavam.
Quando virei
Diretor de Criação, percebi que seu eu participasse da equipe de planejamento
podia ajudar a melhorar os briefings que passávamos para a criação. Como
profissional de criação, eu tinha a visão do processo que vinha em seguida,
sabia o que ia ajudar ou atrapalhar a inspiração de nossos colegas. Foi uma
bela experiência a prática de pensar as campanhas, antes mesmo delas serem
criadas.
Mais tarde
percebi que o buraco era mais embaixo. Na verdade existiam e existem empresas
que já são criativas elas mesmas. São baseadas em valores que fazem com que o
próprio trabalho deles no dia a dia seja mais criativo que os concorrentes. Em
todos os sentidos. E quando a bola chega na agência de propaganda, já vem
redondinha, é só chutar e marcar o gol. E correr para a plateia, para buscar o
prêmio.
Porque uma
empresa, na verdade, se diferencia das outras pelos valores e idéias que ela
representa. São estes valores que determinam o comportamento dela e de seus
funcionários. O que ela faz nada mais é que a materialização dessas intenções
expressas nos valores. Está lá no DNA se a empresa vai ser moderna, inovadora,
diferente. Ou, como a maioria, mais uma empresa igual às outras. Uma fábrica de produtos, não uma
empresa que agrega valor ao que faz.
Mas, além de ter
essa visão de construir uma empresa em cima de valores diferenciados, a empresa também precisa ter coerência. Escolher o que pretende ser, acreditar, ter coragem e
seguir este caminho sem desviar do rumo. Poucas empresas conseguem criar e
realizar essa proeza.
Um belo exemplo
disso é a Apple. Numa época em que Microsoft e Dell perseguiam o objetivo de um
computador em cada casa, em cada escritório, Steve Jobs desafiou: “Não queremos
fazer computadores. Queremos mudar a vida das pessoas”. E soltou aquela frase,
que acompanha a Apple até hoje, criada por um publicitário amigo dele: Think
Different. Passou por várias crises, quase quebrou, mas manteve a coerência.
Hoje é a empresa mais valiosa do mundo. E uma das mais admiradas.
Mudou realmente a
vida das pessoas? Mudou primeiro a indústria gráfica e de cinema com seus computadores e
softwares, diferenciados na época. Mudou a nossa forma de trabalhar em
propaganda, com os computadores gráficos. Mudou o conceito dos celulares com o
iPhone, o primeiro smartphone com aplicativos, um verdadeiro mini computador.
Lançou o iPod, que mudou a indústria da música. Inventou o Ipad, que mudou de
vez a vida de todos nós. E está mudando a forma de fazer jornais, livros, TV.
Quer uma aula de
coerência? Leia a biografia de Steve Jobs, por Walter Isaacson. Você vai ver
como ele era obcecado por este posicionamento, nos mínimos detalhes. E cobrava
todo dia de seus colaboradores a execução dessas ideias. Nos produtos, no
conceito das lojas Apple, até em detalhes como a pedra que seria o piso das
lojas –depois de várias lojas prontas, achou na Itália uma pedra com o tom de
cinza que ele estava perseguindo, mandou
trocar os pisos de todas as lojas.
Baseada nestes
conceitos, e nessas estórias, Communication Thinking é isso: uma outra forma de
pensar o mundo. Um jeito bem aberto de enxergar o momento e planejar o futuro,
do ponto de vista dos valores que movimentam uma empresa e seus produtos. E dos
resultados que eles vão conseguir. Incluindo aí sua relação futura com os
consumidores, examinando se esses mesmos valores (que são a base da imagem e do
comportamento da empresa) também vão motivar as pessoas, interagir com elas. É
uma forma de enxergar o processo de comunicação como um todo, até o fim, antes
mesmo dele começar.
Estou botando minhas ideias no papel, correndo o risco de soar
muito professoral. Mas é que algumas coisas têm que ser escritas com precisão,
para não deixarem dúvidas. Para mim, o
conceito está claro e qualquer profissional de comunicação tem prática e
conhecimento para pensar assim.
Só resta romper a barreira de quem só chama o profissional de
criação quando quer criar e veicular uma campanha. Pois saibam que tudo que sua
empresa faz é comunicação: a forma como você se relaciona com seus
funcionários, a forma como eles se relacionam com seus clientes, o design de suas
embalagens, todo contato da sua empresa com os outros faz parte do seu processo
de comunicação.
Pois saibam, também, que existe uma forma diferente de pensar
empresas, produtos, imagens de marca, e que não acaba necessariamente com uma
campanha de comunicação. Mas sim resolvendo problemas, melhorando o futuro das
empresas. Às vezes, sem fazer nenhum anúncio. Só pensando.
Raul, aqui é a Connie Harrison. Fui parceira sua e cliente, remember? Fizemos uma campanha de Portraits lindona... Tive a honra de ter Apple como cliente quando lançou o CUBE. Ah, se todos pudéssemos ter clientes com esta Visão que vc deixa tão clara...o sonho materializado...mas aqui a gente só ia pro ar o que vinha dos US of A. Com trilhas roqueiras de matar de tão divinas. aração proce , cara pálida
ResponderExcluirBeijão, Connie. Estou abrindo uma conversa aqui. Participe.
ExcluirParabéns pelo artigo e pelo blog Raul. E sucesso! Quando se junta a experiência (que vc tem de sobra) com a vontade de continuar fazendo e aprendendo, o resultado costuma ser bem bom.
ResponderExcluirObrigado, Cascão. Grande abraço. O importante é continuar aprendendo sempre. E passando nossa experiência para os que vêm aí, não é mesmo?
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