Na pré-história da democracia, se praticava a democracia
direta: o povo se reunia numa praça e todos participavam diretamente das
decisões. Depois as cidades e os países cresceram e surgiu a figura do político,
que representava as pessoas nas decisões.
Nosso político da pré-história devia se reunir com seus
eleitores numa praça e dizer a que veio. E este primeiro comício da história
durou bastante tempo, como forma de comunicação de políticos com a sociedade.
Me lembro, ainda, dos grande comícios que aconteceram no Brasil. Estudante, fui
até São Bernardo ouvir um tal de Lula falar. Fui ao Comício das Diretas Já, no
Anhangabaú.
Aí veio o rádio, a TV, a internet. E o evento político foi
se transformando, cada vez mais, num
evento de comunicação. Gente falando a distância, usando a tecnologia da época.
Num país com mais de 200 milhões de habitantes, com cidades com mais de 1
milhão, ninguém consegue mais falar direto com as pessoas. Então, dá-lhe
comunicação.
A política foi aprendendo as regras das tecnologias que
assumiu: nada mais daqueles discursos empolados com palavras difíceis, que
impressionavam as pessoas nos comícios ao vivo. O negócio agora é falar
simples, direto, conversar com as pessoas. As técnicas dos comerciais de
propaganda pegaram, procurando impactar as pessoas. As campanhas políticas, com
seus horários gratuitos de TV, viraram eventos nacionais de comunicação.
Nada contra. É assim mesmo que as coisas evoluem. A
linguagem, os efeitos, o timing da TV, da propaganda, do cinema, as pesquisas
de opinião, são as ferramentas de hoje das campanhas eleitorais, da comunicação
política. E essas técnicas ainda vão evoluir bastante, por causa das novas tecnologias.
Mas o nosso político lá da pré-história da democracia também
encontrava seus eleitores toda hora, numa cidade pequena. Devia se reunir com
eles para prestar contas, dizer o que estava fazendo em nome deles, discutir
com eles que posição tomaria em assuntos mais complicados. O nosso político de
hoje não faz mais isso. Só usa a comunicação para falar e ser ouvido pelos
eleitores. Para ganhar a eleição.
Nossos políticos continuam na era da comunicação de mão
única, como nossa velha TV aberta e nossos jornais de papel. Eles falam e a
gente ouve. Que negócio é esse de ouvir as pessoas? Continuam fazendo
comunicação pela metade, praticando democracia pela metade. Daí a quantidade de
gente nas ruas, dizendo que essas pessoas não me representam, esses partidos
não me representam. Ninguém ouve mais ninguém.
O que os políticos precisam aprender é que democracia é
diálogo, interação, participação. Por isso comunicação é o combustível da
democracia. Deve acontecer o tempo todo, e não só naqueles poucos meses da
campanha eleitoral. E deve ter duas mãos – falar e ouvir bastante seus
eleitores.
Mais ainda, devem aprender que tudo é comunicação: a forma
como eles governam, os projetos que eles executam, etc., etc. Tudo passa uma
mensagem, queiramos ou não. Quando não temos consciência disso, lá está aquele
político prometendo uma coisa e agindo de forma diferente. Passando uma imagem cada
vez mais confusa para seus eleitores.
O verdadeiro papel da comunicação é dar coerência a tudo
isso. Fazer com que tudo tenha o mesmo foco, caminhe na mesma direção. Criar
uma estratégia de longo prazo para trabalhar a imagem de um político, do mesmo
jeito que se trabalha a imagem de uma empresa ou um produto. É assim que
funciona. Não adianta chamar um marqueteiro a poucos meses da eleição para
consertar uma imagem que já foi comprometida. Comunicação não faz milagres.
O pior que pode
acontecer é as pessoas se desencantarem de vez com os políticos que não me
representam e pedirem a volta para a democracia direta: não tem mais políticos
intermediários, o governo fala direto com as pessoas via internet, nossa grande
praça de hoje, que decidem, elas mesmas, o que se deve ou não deve fazer.
(Publicado também em www.marqueteiros.com.br)
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