Estão reunidos em São Paulo representantes de jornais do mundo inteiro,
no Seminário Internacional de Jornais da INMA –International Newsmedia
Marketing Association. Vieram discutir o futuro dos jornais. Dos jornais de papel,
é claro, e a sua transição, quem sabe um dia, para o mundo digital.
O simples fato das pessoas se referirem só à coisa física, de papel,
como jornal, já mostra como é a cabeça deles. Este é o jornal (físico) que
também tem sua versão online. E essa visão tem muita razão de ser, já que quase
todo o faturamento dos jornais vem do
mundo dos átomos, do papel. Por enquanto.
Lembro do filme State of Play (Ligações Perigosas, de 2009) onde
Russel Crowe faz o papel de um experiente jornalista e Rachel McAdams é a jovem
jornalista da versão online do jornal. Os dois se juntam para investigar um
caso que envolve Ben Affleck, um deputado amigo do Russel. Lembra?
A jornalista da internet publica tudo rapidinho, conforme recebe a
informação. Mas neste caso, não. Numa cena, o velho jornalista agradece que ela
não está soltando as notícias, enquanto não chegam ao final do caso complicado.
E ela diz alguma coisa assim: essa matéria é muito importante, merece sair primeiro
na edição impressa. Na cena do gran finale, ele acaba de escrever a matéria, aperta
o botão do computador e as máquinas gigantescas começam a imprimir a matéria de
capa com o nome dos dois – ela, orgulhosa, por ter sido promovida para o jornal de
papel.
Essa é realidade do mundo em
que vivemos: jornal mesmo é o de papel. Todo mundo sabe que um dia ele vai
virar digital de vez. Afinal não vai mais fazer sentido cortar árvores para
fazer papel, ter aquelas máquinas gigantescas para imprimir, uma frota de
caminhões gastando combustível e criando congestionamento, para o jornal chegar
na banca da esquina. Quando você pode, como eu, receber tudo isso instantaneamente
no seu iPad ou computador.
Mas, por enquanto, somos minoria e não geramos receita. E o pessoal
dos jornais sabe lidar com essa logística cara e complicada, sabe vender
anúncios impressos, sabe que tudo isso dificulta a entrada de novos competidores.
Então, quanto mais atrasarem essa mudança, melhor para eles.
O que acontece no mundo? Nos países mais desenvolvidos os jornais
pararam de crescer, as circulações estão diminuindo. As verbas de propaganda
também tendem a cair cada vez mais. Jornais menores fecharam, jornalistas foram
demitidos. Nos EUA, onde a mudança parece mais forte, já se tem uma visão clara
de que o digital está substituindo o impresso. Então as empresas estão
trabalhando sério no mundo dos bits.
Já nos países em desenvolvimento, a circulação dos jornais continua
crescendo. Índia e Brasil são bons exemplos desse fenômeno, explicado pelo
crescimento da classe média. As verbas de propaganda se mantêm, então tudo bem,
nada de tentar um aventura precipitada.
Nestes dois mundos, a principal discussão é se devem ou não começar a cobrar
pelo acesso à versão digital. A maioria das tentativas conhecidas não deram
certo. Então cuidado, vamos deixar livre e grátis, manter o tráfego alto,
divulgar a marca e tentar vender alguns anúncios. Afinal, as pessoas estão acostumadas a ter
acesso à informação grátis na internet. E olha que a competição é grande, do
mundo inteiro.
E tem o New York Times que achou o caminho dos bits e conseguiu quase
350 mil assinantes digitais pagantes – o que representa, junto com os anúncios
que também vieram, quase 30% do faturamento do grupo (quando não cobrava, o NYT
declarou chegar a ter de 1,5 milhão de leitores
digitais). Aqui temos o Estadão, cobrando assinatura digital, mas não sabemos ainda
o resultado.
O que pensa gente como eu, leitor digital, sobre o que vem por aí?
Os jornais ainda vivem no mundo dos bits, então reproduzem online o
mesmo jornal que imprimem no papel. Estão usando uma nova mídia para reproduzir
a velha mídia. Uma edição por dia, apenas um botão de últimas notícias para
mostrar o que chegou depois. Alguns vídeos, entrevistas gravadas, para mostrar
como sabem ser digitais.
No mundo digital você pode ter várias edições diárias, conforme chegam
as novidades. Ainda pode personalizar a primeira página, de acordo com o gosto
de cada um. As pessoas vão ser incentivadas a ver seu jornal mais de uma vez
por dia. Ele vai ser uma coisa viva, que muda toda hora.
O jornal digital não tem problema de espaço. As matérias e entrevistas
podem ser mais profundas. E a mesma entrevista/notícia pode ser escrita,
gravada, filmada, com apresentação multimídia. Pode ter uma versão curta e
outra maior, para quem quiser aprofundar. Pode ter outras informações anexadas,
sobre o mesmo assunto, mesma pessoa. Pode ter links de referência, para quem
quiser mesmo aprofundar. Pode até ter cenas ao vivo, que alguém está mandando
na hora, até mesmo pelo celular. Conteúdo não vai ser problema, com tantas
possibilidades.
Com a cultura do meio antigo, o jornal é meio de comunicação de uma
via só: a gente escreve, você lê. Para realmente falar a linguagem do meio, o
jornal digital tem que ser mais participativo. Não adianta mais aquela seção de
cartas do leitor, lá no canto do jornal. O leitor precisa de espaço maior, ao lado da matéria ou
opinião, para completar, questionar, apoiar. Rapidinho, na hora, sem esperar
dia seguinte porque alguém tem que aprovar. As pessoas na internet querem
participar. Acho que quem está mais avançado nisso é o The Huffington Post, que
foi criado direto para a internet, sem passar pelo papel. Pois o jornal do
futuro vai, como o Huffington, misturar trabalho de jornalistas profissionais
com as modestas linhas de pessoas como eu ou você. Vai se abrir para a riqueza
da diversidade de opiniões.
Aí eles vão querer cobrar dos leitores, que ninguém trabalha de graça.
Claro que sou a favor de se pagar por informação de qualidade. Mas aí entra o
prestígio, confiança e imagem de marca que cada um construiu nos seus anos de
vida. As pessoas vão pagar pelo jornal que confiam, desde que sejam preços de
internet e não do jornal de papel. Desconta aí o custo de impressão e distribuição
para chegar a um preço justo e digital. E pensem que, com a internet, vocês
podem chegar onde a banca não chega, em qualquer lugar do mundo.
Quem não tiver uma marca forte, pode continuar oferecendo de graça e
mesmo assim não vai ter muito leitores. Jornais novos têm que montar uma equipe
de respeito, para superar a falta de história. Imagem e credibilidade é tudo –tanto
no mundo dos átomos como no mundo dos bits.
E aí tem o formato digital, que todo mundo está aprendendo a fazer.
Como o meio pede, tem que ser rápido e simples de navegar. Bonito, limpo, fácil
para achar as coisas, fácil de participar. Versátil, para ser personalizado. Em
suma, não tem que inventar.
(Não entendo jornais diários como o Estadão, que eu gosto de ler, que
tem formato de baixar o conteúdo inteiro no iPad, o que demora. Quando a
maioria dos grandes jornais baixa rapidamente os índices e, quando você clica,
vem rapidamente a matéria.)
Em quanto tempo os jornais vão passar a ser digitais de verdade?
Depende destes senhores que estão discutindo o futuro agora. Depende da
evolução do negócio digital, em cada país. E depende de gente como eu e você, de como nós estamos abertos para a inovação.