Primeira metade dos anos 70. Eu era um jovem repórter do
Jornal da Tarde. (Tinha saído da faculdade em 68, direto para a nova revista
Veja. Era um dos 200 universitários que a Abril peneirou em todo o Brasil para começar
a fazer a grande revista semanal da época. Em 72 saí da Veja para o JT.)
Cheguei na redação no fim da tarde, como todos os dias, e comecei batucar na
máquina de escrever. Mais ou menos isso aqui.
- Você liga o rádio. Uma música começa sem ser
anunciada. Só um violão, uma batida bem cadenciada: tung jacatung, jacatung,
jacatung, jacatung, jacatung, jacatung, jacatung, jacatung, jacatung, jacatung,
jacatung, jacatung, jacatung, jacatung... Ninguém precisa dizer nada, você já sabe
que é Jorge Ben.
E aí vinha uma matéria de página inteira sobre o revolucionário Jorge Ben, hoje Jor, um de
nossos grandes músicos. Levei para o editor (não consigo me lembrar quem era)
que leu a matéria inteira sem falar nada, aí virou pra mim e disse: “Vou cortar
esse começo. Escrever som não é jornalismo.”
Porque não? perguntei. É o som que ele faz no violão. A
melhor forma de apresentar o balanço do Jorge Ben. E aí começamos uma discussão
sobre o assunto. Como não chegamos a um acordo, ele perguntou a outro editor o
que achava. Um a favor, um contra. Um terceiro, um quarto, e logo a redação
inteira discutia acaloradamente se aquilo era válido ou não. A discussão
continuou até de madrugada, quem chegava (os editores chegavam mais tarde) ia
entrando no assunto do dia.
Como não chegaram a um consenso decidiram não errar, em nome da
inovação, de não proibir o inusitado –publique-se.
No dia seguinte a discussão continuou na redação. Uns
gostavam, outros não. Semana seguinte, uma grande matéria de duas páginas,
tinha um título bem curto e grande: Click. Era sobre fotografia. O JT tinha
assumido o onomatopaico no jornalismo. Um efeito tão comum nas histórias em
quadrinhos, entrava para as páginas dos jornais.
Estou contando essa história para mostrar, para quem não
viveu o dia a dia do JT, como as coisas aconteciam. Como tudo era levado a
sério, como uma coisa aparentemente nova era discutida à exaustão. E aplicada
dali para a frente. Não sei se foi realmente a primeira vez que se usou sons
escritos no jornalismo. Nem é tão importante aqui.
Importante era o compromisso com as coisas novas,
inteligentes, com quebrar paradigmas, ir além do que os outros estavam fazendo.
Criar novas formas de diagramar, de escrever, de se comunicar. Tudo respaldado
por uma equipe de primeira, com quem aprendi muito.
Por isso o JT marcou época e influenciou não só o
jornalismo, mas a propaganda, as artes gráficas, e talvez a literatura, a
música, o teatro da época. Quem estava por perto era contaminado por aquela
maneira livre de pensar e trabalhar.
Esta semana o JT fechou, com quase 50 anos de vida. Já tinha
morrido anos antes, quando o Estadão, por razões empresariais, deixou de manter
aquela brilhante e cara redação. E o JT virou um jornal como os outros. Mas
deixou uma lição de como fazer jornalismo moderno e de qualidade.
É verdade que as pessoas não gostam de ler coisas compridas?
As matérias do JT eram bem compridas e muito bem escritas –e as pessoas
adoravam ler. Vinham numa embalagem sofisticada, com grandes e belas fotos ou
desenhos. Tipografia caprichada. Muito branco para deixar tudo limpo, nada de
encher todos os espaços.
Acho que faria sucesso ainda hoje, que vivemos a cultura dos
140 toques. Aliás é esse tipo de cultura que está faltando no jornalismo
digital que está começando agora, nos iPads e iPhones da vida. Uma cultura de inovação
que não se contente em repetir na telinha digital o mesmo que fazem nos jornais
de papel.
Jornalismo digital vai ser outra coisa. Diferente,
participativo. Precisa um grupo como aquele do JT para começar uma nova revolução.
Estou aqui para aplaudir.