quarta-feira, 18 de setembro de 2019

57- A Marca Brasil fora de foco.

Quando a gente começa a trabalhar ou repensar a imagem de marca de uma empresa, a primeira coisa que a gente procura é identificar o diferencial que ela tem, diante dos concorrentes. Porque é esse diferencial que pode fazer dela uma empresa única, com personalidade própria e imagem forte.

Se ela não tem nada diferente, vai ser apenas mais uma no mercado. Aí a gente tem que trabalhar para criar esse diferencial, que às vezes é muito difícil de conseguir. Então, sorte da empresa que já nasce diferenciada.

Além disso, precisamos entender o consumidor -que está ficando cada vez mais exigente. Ele também espera das empresas um comportamento ético responsável, politicamente correto.
Prefere empresas mais transparentes, que tratam bem seus funcionários, e que deem um retorno, além de um bom produto, para as sociedades onde vivem e ganham dinheiro. Daí as empresas acrescentarem à sua marca ações sociais, pelo meio ambiente, educação, cultura.
As boas empresas têm que entender essa expectativa, se quiserem continuar a ser importantes no mercado.

Com os países funciona do mesmo jeito. Cada um deles tem uma imagem, como acontece com as marcas das empresas. Que pode ser mais fraca ou mais forte, dependendo da habilidade do país de lidar com ela. Então, sorte do país que já começa com um grande e bom diferencial. Como o Brasil. Que tem a maior floresta tropical do mundo, o famoso pulmão do planeta. Se esse diferencial for bem trabalhado, o país terá uma imagem muito forte para se vender para o mundo, sem ter que fazer muito esforço. 

E quem ganha com isso? Todos os brasileiros. Nossa agroindústria moderna e consciente, que tornou o país um dos maiores produtores de alimentos do mundo. A indústria do turismo, que tem muito potencial para crescer. A nossa infraestrutura precária, que precisa de novos investimentos urgente. E por aí vai. 

Imagem é tudo. Com uma bela marca bem construída, em sintonia com nossos clientes, o país leva junto todos os produtos que temos para vender.



Não parece ser o que está acontecendo. Não estamos cuidando bem de nosso patrimônio especial, nem entendendo a responsabilidade que vem junto com este grande diferencial. O que poderia ser a grande força da nossa imagem, pode virar nossa grande inimiga. De cuidadores da maior floresta tropical, importante para todos, podemos virar os maiores desmatadores do mundo. Com um preço muito alto para pagar.

Os outros países fazem compras pelo mundo da mesma forma que os consumidores individuais, afinal as decisões são tomadas por pessoas que têm esses mesmos valores. Querem o melhor produto pelo melhor preço, fornecido por empresas responsáveis. E quando falamos de commodities então, o emocional agregado ao produto passa a desempenhar um papel importante. Se não compro mais soja desse país poluidor, posso comprar ali daquele outro. É assim que funciona. E as pressões contra nosso mau comportamento vão sempre existir. São os consumidores dizendo que esperam que o Brasil seja um produtor responsável.

Isso não é política, são as regras do mercado. O bom político entende as regras do jogo e transforma em ações políticas. Uma floresta amazônica de pé e bem cuidada, vale mais para o Brasil do que qualquer outra opção. E vai valer mais ainda no futuro, num mundo em que se valoriza cada vez mais o meio ambiente.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

56- CORRIGINDO UMA CENA DO FILME “SIMONAL”, COM A VERDADE HISTÓRICA.

Boite Blow Up, rua Augusta, São Paulo, Julho de 1969.
A boite era famosa, no baixo da rua Augusta, pelos shows que apresentava com grandes nomes da música brasileira. Fim do show de Jorge Ben.
Camarim, eu, repórter do Jornal da Tarde, entrevistava Jorge. Outras pessoas assistiam, apertados naquele camarim pequeno.
Abre a porta e Wilson Simonal mostra a cara e cumprimenta.
–(Simonal) Grande Jorge.
Se abraçam, Simonal brinca com Jorge e depois começa a falar sério.
-(Simonal) Seguinte: estou gravando um disco e preciso de uma música nova sua. Uma das boas.
-(Jorge) Tenho uma que é a sua cara, só que já prometi para outra pessoa.
-(Simonal) Mostra mesmo assim.
Jorge pega o violão e começa aquela sua batida típica: tung jaca tung jaca tung jaca tung jaca tung jaca tung.....
-(Jorge cantando) Moro / num país tropical / abençoado por Deus / e bonito por natureza / mas que beleza.... 
Canta a música umas duas vezes, Simonal maravilhado, eu em suspense observando a cena histórica. Outras pessoas em silêncio.
-(Jorge) Agora canta você (e continua no violão).
-(Simonal cantando) Mó / num pá tropi / abençoá por Dê / e boní por naturê / mas que belê...
Foi assim, de primeira. Simonal ouviu a música umas duas vezes e já saiu cantando do jeito que virou uma interpretação única de País Tropical, grande sucesso dele. Instintivamente, na mesma hora, ele já criou este jeito de cortar o fim das palavras, e os dois ficaram brincando felizes com isso. E ficaram cantando a música várias vezes, com a sacada de Simonal.
(Jorge e Simonal cantando juntos) - Mó / num pá tropi / abençoá por Dê / e boní por naturê / mas que belê...
(Simonal)- Essa música agora é minha. Resolve lá com quem você prometeu.
É claro que, 50 anos depois, não me lembro das palavras exatas que cada um falou. Mas o conteúdo é esse, a sacada do Simonal foi espontânea, rápida, nada racional como aparece na cena do filme. Uma grande música que fez sucesso cantada pelo Jorge, pelo Simonal, com seu jeito único, e muitos outros intérpretes.
Me desculpem o diretor, o roteirista e produtores do filme, mas quando vi a cena, precisamente esta cena, online, não me contive de fazer essa correção. A coisa aconteceu de uma forma muito mais forte e emocionante –um se assustando com a beleza da música do outro e o outro com a sacada rápida do intérprete em cima da sua música. Ali ficou claro, sem ninguém falar nada, que  a música era do Simona. 
Podia ser a grande cena do filme, que não assisti. Com alguém fazendo um Jorge Ben mais à altura, tocando a música com toda a força que ela tem, com Simonal entrando em cima e criando sua interpretação na hora, bate pronto. Mas já foi. O filme está aí, espero que seja bom.


Para quem não sabia, comecei minha carreira no jornalismo, junto com a Veja. Saí da faculdade direto para um grupo de 500 universitários selecionados pela Editora Abril em todo o país. Depois de um treinamento rápido (tinham que lançar a revista em alguns meses) nos botaram para trabalhar e aí selecionaram, na prática, os 200 que viraram a base da redação da primeira revista semanal do Brasil, dirigida pelo Mino Carta. 
De lá fui para o Jornal da Tarde, do Estadão, que era o melhor jornal da época, dirigido pelo Murilo Felisberto, onde fiz a matéria com Jorge Ben. Depois mudei para propaganda, onde trabalhei ativamente até o fim do século, 2001. Depois virei Consultor, fazendo Branding, Planejamento Estratégico, um especialista nos intangíveis das empresas. Mas ainda sou registrado no Ministério do Trabalho como jornalista (naquela época tinha que registrar).
Desta época ficou o aprendizado e também a emoção de ter vivido cenas como essa. Com um Jorge Ben, que para mim é um dos grandes compositores e cantores de nossa música. Que criou, quebrou barreiras e influenciou a música brasileira dali pra frente -com seu ritmo que ele definia como “batida de escola de samba cansada, depois do desfile”. Que já era uma evolução da batida do seu primeiro disco, Samba Esquema Novo, onde cantava Mas Que Nada no que chamava de “mistura de samba com maracatu”.
Um tempo depois, cobri o Festival da Canção, no Rio, e entrevistei a estrela internacional do evento, Jimmy Webb –compositor e cantor de coisas como MacArthur Park, Up Up And Away e Get To Phoenix. Acabou a entrevista e ele me convidou para jantar num lugar que tivesse show de um grande músico brasileiro. Levei ele na Lagoa, para ver o show de Jorge Ben e Trio Mocotó. Ele ficou maravilhado com o swing do Jorge. Apresentei os dois.
O Wilson Simonal só vi esta noite, acho que foi um grande cantor, também criador de um estilo próprio. Depois espalharam que ele era colaborador do regime e queimaram o filme dele. Mais tarde parece que provaram que não era nada disso. Quer saber mais vai ver o filme, mesmo com essa história contada de forma diferente.